domingo, 31 de maio de 2009

TEORIA DA PROVA*

Normalmente, a doutrina refere-se a uma teoria geral da prova para introduzir o tema relativo à prova no processo penal.

A nosso juízo, uma teoria acerca de qualquer objeto de investigação científica haverá de ser sempre geral, no sentido de examinar integralmente o conteúdo e a essencia daquele objeto.

Por isso, o exame, se for rigoroso, há de ter a pretensão de ser também geral.

Daí a desnecessidade de referência ao aludido predicado, com o que ficaremos apenas com a expressão teoria da prova, para indicar o estudo dos princípios e regras aplicáveis ao tema, sem adentrar, ainda, na análise dos meios de prova.

A prova judiciária tem um objetivo claramente definido: a reconstrução dos fatos investigados no processo, buscando a maior coincidência possível com a realidade histórica, isto é, com a verdade dos fatos, tal como efetivamente ocorridos no espaço e no tempo. A tarefa, portanto, é das mais difíceis, quando não impossível: a reconstrução da verdade.

Ao longo de toda sua história, o Direito defrontou-se com o tema da construção da verdade, experimentando diversos métodos e formas jurídicas de obtenção da verdade, desde as ordálias e juízos de deus (ou dos deuses), na Idade Média, em que o acusado submetia-se a determinada provação física (ou suplício), de cuja superação, quando vitorioso, se lhe reconhecia a veracidade de sua pretensão, até a introdução da racionalidade nos meios de prova.

Tourinho Filho cita os seguintes exemplos do sistema ordálico: "Havia a prova da água fria: jogado o indiciado à água, se submergisse, era inocente, se viesse à tona seria culpado [...]. A ferro em brasas: o pretenso culpado, com os pés descalços, teria que passar por uma chapa de ferro em brasa. Se nada lhe acontecesse, seria inocente; se se queimasse, sua culpa seria manifesta [...]"

De uma verdade inicialmente revelada pelos deuses a outra, produzida a partir da prova racional, submetida ao contraditório e ao confronto dialético dos interessados em sua valoração, o Direito, em geral, e, mais especificamente, a partir do século XVIII, com a evolução da processualização da jurisdição, o processo penal, sempre se ocupouda reconstrução judicial dos fatos tidos por delituosos. Ora com a preocupação voltada exclusivamente para a satisfação dos interesses de uma não bem definida segurança púbica, ora com a atenção também para a proteção dos interesses do acusado, sobretudo quando este passou a ocupar a posição de sujeito de direitos no processo, e não de objeto do processo.

Por mais difícil que seja e por mais improvável que também seja a hipótese de reconstrução da realidade histórica (ou seja, do fato delituoso) esse é um compromisso irrenunciável da atividade estatal jurisdicional.

Monopolizada a jurisdição, com a rejeição de qualquer forma de solução privada e unilateral dos conflitos (sociais, coletivos ou individuais), impõe-se a atuação do Direito, sempre que presente uma questão penal, entendendo-se por essa a prática de determinada conduta, por alguém, definida em lei como crime, porque suficiente para causar lesão ou expor a perigo de lesão um bem ou valor juridicamente protegido.

Assim, ainda que prévia e sabidamente imperfeita, o processo penal deve construir uma verdade judicial, sobre a qual, uma vez passada em julgado a decisão final, incidirão os efeitos da coisa julgada, com todas as suas consequencias, legais e constituicionais.

O processo, portanto, produzirá uma certeza do tipo juridica, que pode ou não corresponder à verdade da realidade histórica (da qual, aliás, em regra, jamais se saberá), mas cuja pretensão é a de estabilização das situações eventualmente conflituosas que vêm a ser o objeto da jurisdição penal.

Para a consecução de tão gigantesca tarefa, são disponibilizados diversos meios ou métodos de prova, com os quais (e mediante os quais) se espera chegar o mais próximo possível da realidade dos fatos investigados, submetidos, porém, a um limite previamente definido na Constituição Federal: o respeito aos direitos e às garantias individuais, do acusado e de terceiros, protegidos pelo imensomanto da inadmissibilidade das provas obtidas ilicitamente.




*Eugênio Pacelli de Oliveira, Curso de Processo Penal, Lumen&Juris, 2008