domingo, 31 de maio de 2009

INCIDENTE DE INSANIDADE MENTAL DO ACUSADO *

O exame de insanidade mental, a ser realizado dentro do respectivo incidente, é medida que se impõe sempre que houver dúvida acerca da integridade mental do acusado.

Destina-se, pois, a apurar eventual inimputabilidade ou semi-imputabilidade do réu e configura, por assim dizer, verdadeira questão prejudicial que condiciona o julgamento final da causa, na medida em que poderá ter reflexo na definição da responsabilidade criminal do acusado, isentando-o ou não de pena (art. 26, caput, CP); bem como na dosimetria da sanção penal imposta, com a possível redução dela (art. 26, parágrafo único, do CP), ou ainda com a aplicação da medida de segurança nos termos do art. 98 do CP.

Esse exame pode ser ordenado de ofício pelo juiz ou a requerimento do Ministério Público, do defensor, do curador, do ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do acusado.

Trata-se de um incidente ao processo criminal, com procedimento próprio, e que não poderá ser substituído nem mesmo pela sentença de interdição do réu no juízo cível, nem tampouco por um laudo emprestado de incidente idêntico instaurado em outro processo.

Ao determinar a realização do exame de insanidade mental, o juiz deverá fazê-lo por meio de portaria em autos apartados, nomeando dois peritos, obviamente especialistas em saúde mental, para examinarem o acusado.

Instaurado o incidente, o juiz deverá nomear também um curador ao réu e suspenderá o processo, se este estiver em curso.

Neste caso, estando em curso a ação penal, poderão ser realizadas as diligências necessárias e que estariam irremediavelmente prejudicadas com a paralisação dos autos principais (art. 149 do CPP).

O prazo para a realização do exame é relativamente breve e está fixado na lei em 45 dias; isso porque, mesmo suspenso o processo, continua a fluir o prazo prescricional, daí a necessidade de se concluir o incidente no prazo mais rápido possível.

Havendo necessidade demonstrada pelos peritos (art. 150, § 1° CPP), esse prazo poderá ser prorrogado pelo tempo suficiente para a sua realização, observando-se sempre o prazo prescricional que, como se disse, não fica suspenso com a instauração do incidente.

Uma vez constatada a inimputabilidade do réu ao tempo do crime, nos termos do art. 26do CP, o processo prosseguirá com a presença de um curador.

Observe-se, portanto, que o incidente não será julgado pelo juiz, que deve se limitar à homologação do laudo pericial, prosseguindo-se no processo principal.

Somente na sentença de mérito é que o juiz decidirá sobre a inimputabilidade d réu, e em regra ficará vinculado às conclusões periciais, podendo, se for o caso, determinar uma nova perícia.

Assim, a decisão homologatória do laudo, e que determina a sua juntada ao processo principal, é irrecorrível; eventual impugnação das conclusões periciais pelas partes somente será possível ao final, por meio de recurso de apelação.

A realização do incidente de insanidade mental poderá ser determinada ainda na fase investigatória, dentro do inquérito, mediante representação da autoridade policial. Nesse caso, constatada a incapacidade mental do indiciado ao tempo do crime, portanto, configurada a sua inimputabilidade, o órgão da acusação deverá oferecer denúncia com pedido de absolvição, com a consequente aplicação de medida de segurança de internação ou de tratamento ambulatorial.

O juiz, que é tradicionalmente chamado de peritus peritorum, na verdade não fica vinculado às conclusões periciais, já que o princípio da livre apreciação da prova lhe confere ampla liberdade de convicção; todavia, se decidir contrariamente ao laudo dos peritos, deverá fundamentar a sua decisão em outros elementos que possam dar suporte às suas convicções contrárias ao parecer do especialista.

Se o exame pericial constatar que a doença mental sobreveio à infração penal, o processo deve permanecer suspenso até que o réu se restabeleça (art. 152).

Essa regra decorre do princípio da ampla defesa e de elementar bom senso, já que não seria mesmo razoável prosseguir com a acusação em relação ao indivíduo que, por doença mental superveniente, não tem condição de entender nem o conteúdo nem as consequências da pretensão punitiva contra si deduzida em juízo.

A doença mental superveniente ao crime, constatada no incidente de insanidade mental, faculta ao juiz a imposição de internação do acusado em manicômio judiciário ou em estabelecimento adequado até que ele se restabeleça (art. 152,§ 2° do CPP).

Essa internação somente será determinada se for necesária ao tratamento médico ou se o agente apresntar alguma periculosidade que recomende a medida.

Tal medida será imposta por tempo indeterminado; porém, nesse caso, deve-se aplicar por analogia o art. 97, § 2°, do CP, cujo dispositivo determina a realização de perícia médica de ano em ano, enquanto não se restabelecer o acusado, a fim de se averiguar tanto a sua periculosidade quanto a indispensabilidade de suapermanência no manicônio para tratamento de saúde.

Superada a insanidade mental superveniente, e uma vez restabelecido o réu, o processo retomará o seu curso normal. Nessa hipótese, será permitido ao acusado o direito de protestar pela reinquirição das testemunhas eventualmente ouvidas sem a sua presença (art. 152, § 3° do CPP).

No caso de insanidade mental superveniente ao processo de conhecimento, portanto, de insanidade sobrevinda no curso da execução da penal, aplica-se a regra do art. 41 do CP, transferindo-se o sentenciado para o hospital penitenciário, mantida, porém, a sanção imposta na sentença se a doença for transitória; se a insanidade for duradoura ou permanente, aplica-se o disposto no art. 183 da LEP, e nesses casos a pena será convertida em medida de segurança.


* Antonio Alberto Machado, Curso de Processo Penal, Atlas, 2a. edição, 2009.