quarta-feira, 29 de outubro de 2008

INTERROGATÓRIO E RECENTES ALTERAÇÕES DO CPP

Conceito e natureza

O interrogatório é o ato em que o juiz ouve o acusado acerca da imputação que lhe é feita.

O Interrogatório tem natureza mista, pois é meio de prova e também meio de defesa.


Caractísticas

a) ato personalíssimo: somente a pessoa em face de quem se deduz a pretensão punitiva (réu ou querelado) é que pode ser interrogada;

b) oral;

c) ato não sujeito à preclusão: o acusado pode ser interrogado a qualquer tempo, até o trânsito em julgado da sentença;

d) bifásico: constituído de duas partes, uma sobre a pessoa do acusado, e, outra, sobre os fatos.


Procedimentos art. 394, e seguintes.

O procedimento será comum ou especial. (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).

O procedimento comum será ordinário, sumário ou sumaríssimo: (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

I - ordinário, quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada for igual ou superior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade; (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

II - sumário, quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada seja inferior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade; (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

III - sumaríssimo, para as infrações penais de menor potencial ofensivo, na forma da lei. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

Aplica-se a todos os processos o procedimento comum, salvo disposições em contrário deste Código ou de lei especial. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

Nos processos de competência do Tribunal do Júri, o procedimento observará as disposições estabelecidas nos arts. 406 a 497 deste Código. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

As disposições dos arts. 395 a 398 deste Código aplicam-se a todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda que não regulados neste Código. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

Aplicam-se subsidiariamente aos procedimentos especial, sumário e sumaríssimo as disposições do procedimento ordinário. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

A denúncia ou queixa será rejeitada quando: (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).

I - for manifestamente inepta; (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

III - faltar justa causa para o exercício da ação penal. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

(Revogado). (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

Nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias. (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).

No caso de citação por edital, o prazo para a defesa começará a fluir a partir do comparecimento pessoal do acusado ou do defensor constituído. (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).

Na resposta, o acusado poderá argüir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

A exceção será processada em apartado, nos termos dos arts. 95 a 112 deste Código. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

Não apresentada a resposta no prazo legal, ou se o acusado, citado, não constituir defensor, o juiz nomeará defensor para oferecê-la, concedendo-lhe vista dos autos por 10 (dez) dias. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar: (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).

I - a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

II - a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

III - que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

IV - extinta a punibilidade do agente. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).


Na instrução do processo serão inquiridas no máximo oito testemunhas de acusação e até oito de defesa. (Revogado pela Lei nº 11.719, de 2008).

Nesse número não se compreendem as que não prestaram compromisso e as referidas.


O Ministério Público ou o querelante, ao ser oferecida a denúncia ou a queixa, e a defesa, no prazo do art. 395, poderão requerer as diligências que julgarem convenientes.

As partes poderão oferecer documentos em qualquer fase do processo.

As testemunhas de acusação serão ouvidas dentro do prazo de vinte dias, quando o réu estiver preso, e de quarenta dias, quando solto.

Esses prazos começarão a correr depois de findo o tríduo da defesa prévia, ou, se tiver havido desistência, da data do interrogatório ou do dia em que deverá ter sido realizado.

Sempre que o juiz concluir a instrução fora do prazo, consignará nos autos os motivos da demora.

A demora determinada por doença do réu ou do defensor, ou outro motivo de força maior, não será computada nos prazos fixados no art. 401. No caso de enfermidade do réu, o juiz poderá transportar-se ao local onde ele se encontrar, aí procedendo à instrução. No caso de enfermidade do defensor, será ele substituído, definitivamente, ou para o só efeito do ato, na forma do art. 265, parágrafo único.

As partes poderão desistir do depoimento de qualquer das testemunhas arroladas, ou deixar de arrolá-las, se considerarem suficientes as provas que possam ser ou tenham sido produzidas, ressalvado o disposto no art. 209.

Se as testemunhas de defesa não forem encontradas e o acusado, dentro em três dias, não indicar outras em substituição, prosseguir-se-á nos demais termos do processo.

Recebida a denúncia ou queixa, o juiz designará dia e hora para a audiência, ordenando a intimação do acusado, de seu defensor, do Ministério Público e, se for o caso, do querelante e do assistente. (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).

O acusado preso será requisitado para comparecer ao interrogatório, devendo o poder público providenciar sua apresentação. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

O juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado. (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).

As provas serão produzidas numa só audiência, podendo o juiz indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

Os esclarecimentos dos peritos dependerão de prévio requerimento das partes. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

Na instrução poderão ser inquiridas até 8 (oito) testemunhas arroladas pela acusação e 8 (oito) pela defesa. (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).

Nesse número não se compreendem as que não prestem compromisso e as referidas. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

A parte poderá desistir da inquirição de qualquer das testemunhas arroladas, ressalvado o disposto no art. 209 deste Código. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

Produzidas as provas, ao final da audiência, o Ministério Público, o querelante e o assistente e, a seguir, o acusado poderão requerer diligências cuja necessidade se origine de circunstâncias ou fatos apurados na instrução. (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).

Não havendo requerimento de diligências, ou sendo indeferido, serão oferecidas alegações finais orais por 20 (vinte) minutos, respectivamente, pela acusação e pela defesa, prorrogáveis por mais 10 (dez), proferindo o juiz, a seguir, sentença. (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).

Havendo mais de um acusado, o tempo previsto para a defesa de cada um será individual. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

Ao assistente do Ministério Público, após a manifestação desse, serão concedidos 10 (dez) minutos, prorrogando-se por igual período o tempo de manifestação da defesa. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

O juiz poderá, considerada a complexidade do caso ou o número de acusados, conceder às partes o prazo de 5 (cinco) dias sucessivamente para a apresentação de memoriais. Nesse caso, terá o prazo de 10 (dez) dias para proferir a sentença. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

Ordenado diligência considerada imprescindível, de ofício ou a requerimento da parte, a audiência será concluída sem as alegações finais. (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).

Realizada, em seguida, a diligência determinada, as partes apresentarão, no prazo sucessivo de 5 (cinco) dias, suas alegações finais, por memorial, e, no prazo de 10 (dez) dias, o juiz proferirá a sentença. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

Do ocorrido em audiência será lavrado termo em livro próprio, assinado pelo juiz e pelas partes, contendo breve resumo dos fatos relevantes nela ocorridos. (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).

Sempre que possível, o registro dos depoimentos do investigado, indiciado, ofendido e testemunhas será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinada a obter maior fidelidade das informações. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

No caso de registro por meio audiovisual, será encaminhado às partes cópia do registro original, sem necessidade de transcrição. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

terça-feira, 28 de outubro de 2008

NATUREZA JURÍDICA DA PROVA

Segundo João Mendes Júnior, "foi Bentham, dominado pela mania de atacar a técnica do Direito Romano e criar uma técnica para o Direito Inglês, que dividiu as leis em substantivas e adjetivas".

Surgia, assim, a distinção do direito em material e processual.

Dentro dessa classificação, até hoje adotada pela universalidade do direito, cumpre definir a natureza jurídica das leis relativamente à prova.

Não obstante o respeito às outras correntes existentes, penso que as normas que dispõem sobre a prova pertencem exclusivamente ao direito processual (11), posto que seu escopo reside na idéia de convencimento do magistrado (judici fit probatio). Vale dizer: "as provas somente assumem real importância dentro do processo".

Além disso, a ciência do processo é "a única que se dedica ao estudo sistematizado e completo do instituto da prova, perquirindo sob todos os ângulos seus fins, suas causas e efeitos".

Cabe ao direito processual, portanto, regular a matéria em toda sua amplitude e em todos os seus aspectos, valendo lembrar a advertência de Liebman, para quem a identificação da natureza jurídica das leis não é uma questão topográfica.

Assim, são de direito processual as normas sobre prova inseridas no Código Civil.

FUNÇÃO DA PROVA

Segundo Wilhelm Kisch, as conseqüências jurídicas estão associadas às afirmações sobre fatos. (7)

Assim, a parte que deseja obter no processo um efeito jurídico deve primeiro afirmar algo sobre certo fato e, a seguir, comprovar a veracidade dessa afirmação.

As dúvidas que emergem quanto à veracidade das afirmações feitas pelas partes (questões de fato), dada a sua contradição, devem ser dirimidas pela atividade probatória.

Tal atividade é de fundamental importância.

Para que as afirmações feitas pelas partes sejam levadas em considerações pelo juiz no momento de julgar, imperiosa é a demonstração de sua veracidade.

A prova, nesse caso, é a verdade extraída pelo juiz (resultado) dos elementos probatórios produzidos pelas partes (atividade), através do desenvolvimento do seu trabalho intelectual de avaliação.

Pode-se afirmar, portanto, que a função da prova é a de formar a convicção do julgador, a fim de que este faça incidir a norma jurídica ao fato.

CONCEITO DE PROVA JUDICIÁRIA

Quase todos os juristas que conceituam a prova judiciária o fazem adotando isoladamente as noções de atividade, meio ou resultado.

Couture assevera que em "sua acepção comum, a prova é a ação e o efeito de provar; e provar é demonstrar de algum modo a certeza de um direito ou a verdade de uma afirmação". (2)

Arruda Alvim, de sua parte, conceitua prova judiciária, dizendo consistir esta "naqueles meios definidos pelo direito ou contidos por compreensão num sistema jurídico (v. arts. 332 e 366), como idôneos a convencer (prova como ‘resultado’) o juiz da ocorrência de determinados fatos, isto é, da verdade de determinados fatos, os quais vieram ao processo em decorrência de atividade principalmente, dos litigantes (prova como ‘atividade’). (3)

Para Moacyr Amaral Santos, prova judiciária "é a verdade resultante das manifestações dos elementos probatórios, decorrente do exame, da estimação e ponderação desses elementos; é a verdade que nasce da avaliação, pelo juiz, dos elementos probatórios". (4)

Humberto Theodoro Júnior diz que provar "é conduzir o destinatário do ato (o juiz, no caso dos litígios sobre negócios jurídicos) a se convencer da verdade acerca de um fato. Provar é conduzir a inteligência a descobrir a verdade". (5)

Segundo Manoel Antonio Teixeira Filho, prova é resultado e não meio. Em não sendo assim, "ter-se-ia de admitir, inevitavelmente, por exemplo, que qualquer documento juntado aos autos constituiria, por si só, prova do fato a que se refere, ignorando-se, com isto, a apreciação judicial acerca desse meio de prova, apreciação que resultaria na revelação do resultadoque tal meio produziu, conforme tenha eficácia para tanto. Ademais, se o meio é a prova, como sustentar-se essa afirmação diante de declarações conflitantes de duas testemunhas sobre o mesmo fato?". (6)

A amplitude da prova judiciária, porém, impõe análise de seu conceito sob duas vertentes: uma subjetiva e outra objetiva, que reúnam conjuntamente, e não isoladamente, forma, meio, atividade e resultado.

Sob o aspecto subjetivo, prova judiciária é:

a) atividade – ação que as partes realizam para demonstrar a veracidade das afirmações (a prova é a ação realizada pelas partes). Nesse caso, diz-se que a parte produziu a prova quando, através da demonstração de algo que pretendia provar, fez aparecer circunstâncias capazes de convencerem o juiz quanto à veracidade das afirmações (ação de provar).

b) resultado – soma dos fatos produtores da convicção do juiz apurados no processo. É a verdade extraída pelo juiz (resultado) dos elementos probatórios produzidos pelas partes (atividade), através do desenvolvimento do seu trabalho intelectual de avaliação, pelo qual pesa e estima tais elementos (a prova é o resultado da atividade das partes para o convencimento do juiz).

Sob o aspecto objetivo, prova judiciária é:

a) forma – instrumento posto à disposição dos litigantes para demonstrem a existência dos fatos alegados. Não se trata, então, da ação de provar, mas do instrumento próprio (forma definida pelo ordenamento jurídico para o conhecimento dos fatos pelo juiz). Nesse caso, diz-se que a prova é documental, testemunhal, pericial, etc.

b) meios – emanações das pessoas ou coisas, que oferecem ao julgador percepções sensíveis atinentes ao thema probandum. Assim, o conteúdo ideal dos documentos, o conteúdo ideal do depoimento das partes ou das testemunhas são meios de prova.

Texto publicado na internet

Júlio César Bebber
juiz do Trabalho em Campo Grande (MS), mestrando em Direito do Trabalho pela USP

OUTRO CONCEITO DE PROVA

Na doutrina brasileira Marques (1997, v. II), considera que:

"A demonstração dos fatos em que assenta a acusação e daquilo que o réu alega em sua defesa é o que constitui a prova. [...] A prova é, assim, elemento instrumental para que as partes influam na convicção do juiz e o meio de que este se serve para a averiguar sobre os fatos em que as partes fundamentam suas alegações". (MARQUES, 1997, v. II, p. 253.)

Há também vários outros doutrinadores brasileiros que buscaram, a seu modo, conceituar o instituto da prova, mas o que parece ser traço comum entre os autores até aqui citados é que os mesmos acabam por não realizar uma análise teórico-analítica do instituto em questão (6).

Manzini (1996, v. III, p. 208), por exemplo, chega a ponto de afirmar que: "[...] la distinción entre fuentes, medios y elementos de prueba no tiene importância científica esencial, y prácticamente no tiene ninguna [...]" (7).

As variações e insuficiências dos conceitos expostos provavelmente se devem à enorme complexidade que o tema comporta, vez que por este instituto pretende-se: "[...] representar e demonstrar os elementos da realidade objetiva pelos meios intelectivos autorizados em lei [...]", fixando-os nos autos do processo e tendo-os como base para todo e qualquer provimento jurisdicional. (LEAL, 2004, p. 178.)

Conclusão

Após esta sintética exposição a respeito da teoria da prova, podemos extrair algumas conclusões, como as descritas a seguir.

a) Prova, em sentido jurídico processual, é categoria abstrata, resultante da atividade intelectiva de inferência no instrumento de prova do elemento de prova fixado no mesmo, após sua obtenção por meio lícito, visando orientar a formação da cognitio.

b) Meio de prova é, entre as categorias integrantes do instituto jurídico da prova, aquela sob a qual deve recair a análise da licitude/ilicitude da obtenção dos elementos de prova, justamente por ser a categoria que disciplina a captação/apreensão dos referidos elementos.



Bruno César Gonçalves da Silva

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

OBJETO DA PROVA

Objeto da prova é toda circunstância, fato ou alegação referente ao litígio sobre os quais pesa incerteza e que precisam ser demonstrados perante o juiz para o deslinde da causa.

São, portanto, fatos capazes de influir na decisão do processo, na responsabilidade penal e na fixação da pena ou medida de segurança, necessitando, por essa razão, de adequada comprovação em juízo.

Somente os fatos que revelem dúvida na sua configuração e que tenham alguma relevância para o julgamento da causa merecem ser alcançados pela atividade probatória, como corolário do princípio da economia processual.


Fatos que independem de prova

a) Fatos axiomáticos ou intuitivos: aqueles que são evidentes. A evidência nada mais é do que um grau de certeza que se tem dos conhecimentos sobre algo.

Nesses casos, se o fato é evidente, a convicção já está formada, logo, não carece de prova.

Por exemplo, no caso de morte violenta, quando as lesões externas forem de tal monta que tornarem evidente a causa da morte, será dispensado o exame de corpo de delito interno (CPP, art. 162, parágrafo único).

Exemplo: um ciclista é atropelado por uma jamanta e seu corpo é dividido em pedaços. Dispensa-se o exame cadavérico interno, pois a causa da morte é evidente.

b) Fatos notórios (aplica-se o princípio notorium nom eget probatione, ou seja, o notório não necessita de prova).

É o caso da verdade sabida: por exemplo, não precisamos provar que no dia 07 de setembro comemora-se a independência, ou que a água molha e o foto queima. Fatos notórios são aqueles cujo conhecimento faz parte da cultura de uma sociedade.

c) Presunções legais: porque são conclusões decorrentes da própria lei, ou, ainda, o conhecimento que decorre da ordem normal das coisas, podendo ser absoluta (juris et de jure) ou relativas (juris tantum).

Por exemplo: a acusação não poderá provar que um menor de 18 anos tinha plena capacidade de entender o caráter criminoso do fato, pois a legislação presume sua incapacidade de (inimputabilidade) modo absoluto (juris et de jure), sem sequer admitir prova em contrário.

Alguém que pratica um crime em estado de embriaguez completa, provocada por ingestão voluntária ou culposa de álcool ou substância entorpecente, não poderá provar que no momento da infração não sabia o que estava fazendo, pois a lei presume sua responsabilidade sem admitir prova em contrário (actio libera in causa - a sua ação foi livre na causa).

d) Fatos inúteis: princípio frustra probatur quod probantum nom relevat.
São os fatos, verddeiros ou não, que não influenciam na solução da causa, na apuração da verdade real.

Exemplo: a testemunha afirma que o crime se deu em momento próximo ao do jantar, e o juiz quer saber quais os pratos que foram servidos durante tal refeição.

O mesmo ocorre com os fatos imorais, aqueles que, em razão de seu caráter criminoso, inescrupuloso, ofensivo à ordem pública e aos bons costumes, não podem beneficiar aquele que o pratica.

CONCEITO DE PROVA

Do latim probatio, é o conjunto de atos praticados pelas partes, pelo juiz (CPP, arts. 156, 2a parte, 209 e 234) e por terceiros (p. ex. peritos), destinados a levar ao magistrado a convicção acerca da existência ou inexistência de um fato, da falsidade ou veracidade de uma afirmação.

Trata-se, portanto, de todo e qualquer meio de precepção empregado pelo homem com a finaliade de comprovar a verdade de uma alegação.

Por outro lado, no que toca a finalidade da prova, destina-se à formação da convicção do juiz acerca dos elementos essenciais para o deslinde da causa.

Sem dúvida alguma, o tema referente à prova é o mais importante de toda a ciência processual, já que as provas constituem os olhos do processo, o alicerce sobre o qual se ergue toda a dialética processual. Sem provas idôneas e válidas, de nada adianta desenvolverrem-se aprofundados debates doutrinários e variadas vertentes jurisprudenciais sobre temas jurídicos, pois a discussão não terá objeto.

(Fernando Capez)

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

A LEI 11.690/2008

A nova Lei 11.690/2008 traz importantes modificações às regulamentações referentes às provas, os exames periciais, às perguntas ao ofendido, à inquirição das testemunhas e às causas de absolvição do réu.

A primeira norma do CPP a ser alterada é o artigo 155, que ao prever que o juiz forme "sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial" e vedar que sua decisão seja fundamentada "exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação", acaba positivando o entendimento doutrinário de que a investigação preliminar é peça meramente informativa e com finalidade de instruir uma futura ação penal, portanto, sem valor probatório.

Mas o dispositivo vai além e corretamente, em sua ressalva, atribui valor judicial às "provas cautelares, não repetíveis e antecipadas", que terão seu contraditório diferido para a fase judicial.

A produção dessas provas cautelares, com a nova redação do inciso I, art. 156, poderá ser atribuída ao juiz, que terá a faculdade, de ofício, de "ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida".

No mais, o artigo continua a contemplar a regra de que o ônus da prova é de quem alega, pois todo acusado é presumidamente inocente, e mantém também a possibilidade do juiz, de ofício, complementar a atividade probatória das partes no curso da instrução criminal, o que pode ser considerado, segundo Luiz Flavio Gomes, como um resquício do princípio da inquisitividade.

O novo teor do artigo 157 traz à legislação infraconstitucional uma vedação já prevista no inciso LVI, art. 5º, Constituição Federal, ou seja, a inadmissibilidade das provas ilícitas no processo.

Notavelmente o artigo dá dois passos à frente, o primeiro determina que as provas ilícitas deverão ser desentranhadas do processo, e o segundo está no conceito de provas ilícitas contido no corpo do artigo, qual seja: "as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais".

Fundamental a nova regulamentação do art. 157, pois além de coibir práticas infracionais do próprio Estado e assegurar direitos e garantias individuais de todos, acaba por fixar parâmetros legais dentro dos quais não mais se poderá alegar nulidade.

O parágrafo 1º desse artigo cuida da inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação, consagrando a posição já consolidada no Supremo Tribunal Federal sob os frutos envenenados (fruit of poisonous tree), ou seja, se a árvore está envenenada seus frutos também estarão, o que equivale a dizer que as provas derivadas da ilícita também serão ilícitas, pois o acessório segue o principal.
Contudo, há a ressalva dos casos em que não há a necessária correlação de causa e efeito entre a prova ilícita e a derivada ou, ainda, quando esta puder ser obtida por uma fonte independente das primeiras. E proveitosamente o parágrafo 2º, traz o entendimento do que se considera por fonte independente.

Durante os sete anos de tramitação pelo Congresso, foram apresentadas dezoito emendas ao PL 4205/2001, restando rejeitadas oito. Dentre as rejeitadas merece a nossa atenção a emenda de nº. 2, pois ela foi uma tentativa do Senado suprimir o parágrafo 4º do art. 157, a seguir exposto:

"Art. 157 (...)

§ 4o O juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível não poderá proferir a sentença ou acórdão." (NR)

Esta emenda nº. 2 foi rejeitada sob os seguintes argumentos: "O dispositivo ... visa a afastar do julgamento o juiz que tiver sido "contaminado" pelo conhecimento de prova declarada ilícita, de forma a proteger as garantias do acusado e assegurar a imparcialidade do julgador.

Ora, o simples fato de impedir que o juiz se valha de provas declaradas inadmissíveis para fundamentar sua decisão não basta para preservar os mencionados princípios norteadores do processo se o magistrado tiver conhecimento de tais provas.

Esse mecanismo é insuficiente para garantir que o magistrado não tenha sua convicção - e, portanto, sua decisão - influenciada pelo conhecimento de provas inadmissíveis.

Ademais, acredito que o referido dispositivo, com a redação dada por esta Casa, atende melhor a vontade constitucional de impedir que provas ilícitas ou obtidas por meios ilícitos possam contaminar a subjetividade do julgador".

Contudo, ao ser encaminhado para sanção do Presidente da República o Projeto o ora analisado parágrafo 4º, do art. 157, foi parcialmente vetado por entenderem ser contrario ao interesse público.

Foram basicamente estas as razões do veto apresentadas pelo Ministério da Justiça e a Advocacia-Geral da União: "O objetivo primordial da reforma processual penal consubstanciada, dentre outros, no presente projeto de lei, é imprimir celeridade e simplicidade ao desfecho do processo e assegurar a prestação jurisdicional em condições adequadas.

O referido dispositivo vai de encontro a tal movimento, uma vez que pode causar transtornos razoáveis ao andamento processual, ao obrigar que o juiz que fez toda a instrução processual deva ser eventualmente substituído por um outro que nem sequer conhece o caso".

Outra inovação relevante diz respeito aos exames periciais. A nova redação do art. 159 favorece as comarcas menores e mais distantes onde é recorrente a dificuldade em se conseguir 2 peritos oficiais, como exigia a antiga redação do Código.

Assim "o exame de corpo de delito e outras perícias serão realizadas por perito oficial, portador de diploma superior".

Ressalte-se ainda que de acordo com o art. 2º, Lei 11.690/2008, a necessidade de diploma de curso superior não se aplica aos peritos oficiais que ingressaram na carreira sem essa exigência até a data da vigência dessa lei, que entrará em vigor 60 dias após a sua publicação (art. 3º).

Na falta do perito oficial, o exame será realizado por duas pessoas idôneas também portadoras de diploma de curso superior. (§1º)

De acordo com o novo parágrafo 4º, art. 159 o assistente técnico, continuará a atuar depois da conclusão dos exames e da elaboração do laudo pelos peritos oficiais.

E o parágrafo 6º, art. 159, passa a permitir que o material probatório que serviu de base à perícia seja disponibilizado às partes, no ambiente do órgão oficial, sempre sob a guarda e presença do perito.

A inovação do artigo 201 está a partir do parágrafo 2º, que prevê a possibilidade do ofendido ser "comunicado dos atos processuais relativos ao ingresso e à saída do acusado da prisão, à designação de data para audiência e à sentença e respectivos acórdãos que a mantenham ou modifiquem". Esse é também o entendimento do art. 21, Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), disposto a seguir:

"Art. 21.A ofendida deverá ser notificada dos atos processuais relativos ao agressor, especialmente dos pertinentes ao ingresso e à saída da prisão, sem prejuízo da intimação do advogado constituído ou do defensor público".

Na busca de um processo mais célere e simples o parágrafo 3º do artigo em tela, é cunhado sob a agilidade da informática e prevê a possibilidade das comunicações ao ofendido serem realizadas por meio eletrônico.

Cuidadosamente o parágrafo 4º garante ao ofendido a reserva de um espaço separado para antes ou durante a audiência.

Mais uma inovação que se coaduna com a Lei Maria da Penha, o parágrafo 5º, do artigo em tela permite ao juiz "encaminhar o ofendido para atendimento multidisciplinar, especialmente nas áreas psicossocial, de assistência jurídica e de saúde", o que poderá ser a expensas do ofensor ou do Estado. Nesse sentido dispõe o art. 2, Lei 11.340/2006, a seguir:

"Art. 29. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher que vierem a ser criados poderão contar com uma equipe de atendimento multidisciplinar, a ser integrada por profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde".

O último parágrafo do art. 201 concede ao juiz a possibilidade de determinar o segredo de justiça em relação aos dados, depoimentos e outras informações constantes dos autos a respeito do ofendido, a fim de evitar sua exposição aos meios de comunicação, bem como adotar medidas para preservar direitos fundamentais, como intimidade, vida privada, honra e imagem.

No artigo 210 a novidade está em seu parágrafo único, que tendo em vista a garantia da incomunicabilidade das testemunhas, prevê a reserva de espaços separados para elas, antes e durante a audiência.

Outra significativa modificação está no caput do art. 212, que consiste na inquirição direta das testemunhas pelos advogados, o que dará mais agilidade à audiência, mas não trará prejuízo à possibilidade do juiz indeferir as perguntas incabíveis e impertinentes.

Novamente a nova Lei 11.690/2008, na busca pela celeridade, faz uso de métodos modernos e inclui na realização do depoimento, da testemunha ou do ofendido, a inquirição por videoconferência, nos casos em que a presença do réu causar humilhação, temor, ou sério constrangimento, de modo que prejudique a verdade do depoimento. E somente na impossibilidade dessa forma é que será determinada a retirada do réu.

Em relação aos motivos para o juiz absolver o réu, os novos incisos do artigo 386, passam a elencar os seguintes:

- quando as provas demonstrarem que o acusado não cometeu o crime;

- quando não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal;

- quando o autor errar sobre a ilicitude do fato, mesmo conhecendo a lei;

- quando houver erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime que exclua o dolo, mas permite a punição por crime culposo;

- quando o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico;

- quando o agente pratica o fato em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito;

- quando o agente tem doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado e quando o agente pratica o crime estando com embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior.

E por fim, diante dessas novas causas de absolvição, de acordo com o novo inciso II, art. 386, o juiz ordenará a cessação das medidas cautelares e provisoriamente aplicadas.

INSANIDADE MENTAL DO ACUSADO - ARTS. 149 A 154

Crime é fato típico e ilícito. A culpabilidade é pressuposto de aplicação da pena e se compõe de imputabilidade, exigibilidade de conduta diversa e potencial conhecimento da ilicitude.

A imputabilidade é a capacidade de ser responsabilizado por determinado crime. Para ser imputável, alguém deve ser capaz de compreender o ilícito e de se comportar de acordo com essa compreensão.

A pessoa que não tem esse discernimento e/ou essa liberdade é inimputável. A causa dessa inimputabilidade pode advir de doença mental, desenvolvimento mental incompleto ou retardado (CP, art. 26) ou da menoridade (CP, art. 28).

Esse último caso não nos interessa, pois o menor de 18 anos e maior de 12 que cometa crime (chamado de ato infracional) é julgado de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o menor de 12 anos não é responsabilizado, podendo contar ainda com medidas protetivas.

A pessoa portadora de insanidade mental não pode ser punida, nem condenada, pois não tem capacidade de se responsabilizar pelos próprios atos. Pode, porém, ser processada, e, caso o juiz considere que o réu cometeu um fato típico e ilícito, lhe aplicará uma medida de segurança, espécie de sanção voltada para a cura e tratamento.

Se, durante o processo ou inquérito, surge dúvida a respeito da sanidade mental do acusado, o juiz deve instaurar uma perícia médico-legal para esclarecer a situação.

A perícia pode mostrar uma das seguintes possibilidades:

a) o acusado não é insano – o processo continua normalmente;

b) o acusado é insano – o juiz deve nomear um curador, que é um representante legal do réu. Podem ocorrer as seguintes hipóteses:


I) o acusado se tornou insano após o cometimento do crime – o processo fica suspenso até o seu restabelecimento, podendo ser internado em manicômio (CPP, art. 152);

II) o acusado já era insano ao tempo do crime. A insanidade pode ser verificada no inquérito, durante o processo ou mesmo após a condenação.

No último caso, a pena será substituída por medida de segurança (LEP, 183).

INCIDENTE DE FALSIDADE - ARTS. 145 A 148 DO CPP

Tendo o processo penal a função de buscar a verdade dos fatos, tal qual eles aconteceram, é essencial que o juiz utilize provas verídicas, pois uma prova falsa pode levar a um erro judiciário, condenando um inocente ou absolvendo um culpado.

Uma das provas mais importantes é o documento, que é qualquer objeto que expresse uma idéia a respeito de fato relevante para o processo.

Assim, se houver controvérsia sobre a autenticidade de um documento, far-se-á um procedimento a parte que definirá a sua veracidade ou não.

Esse procedimento é denominado incidente de falsidade.

MEDIDAS ASSECURATÓRIAS - ARTS. 125 A 144 CPP

Para que o processo tenha condições de gerar essas conseqüências, o CPP previu as medidas assecuratórias: providências tomadas no curso do processo que objetivam assegurar o direito à indenização da vítima do crime, o pagamento de eventual pena pecuniária ou evitar que o acusado obtenha lucro com a atividade criminosa.

Nesse sentido, as medidas assecuratórias são as seguintes:

a) seqüestro (arts. 125-133) – medida assecuratória consistente em reter os bens móveis e imóveis do acusado quando adquiridos com o proveito da infração penal;

b) hipoteca legal (arts. 134-137) - medida assecuratória que torna indisponíveis os bens imóveis do acusado adquiridos legalmente;

c) arresto (art. 137) - medida assecuratória que torna indisponíveis os bens móveis do acusado adquiridos legalmente.

RESTITUIÇÃO DE COISAS APREENDIDAS - ARTS. 118 A 124

Uma das primeiras atribuições da autoridade policial durante o inquérito é apreender os objetos que tenham relação com o fato criminoso (art. 6°, II).

Também existe durante o processo a medida cautelar de busca e apreensão (art. 240).

O objetivo desses procedimentos é auxiliar na elucidação do crime.

Desses objetos apreendidos, podem ser restituídas, antes de transitar em julgado a sentença condenatória, aquelas peças que não interessarem a o processo (art. 118).

Nos outros casos, a restituição se dá com o trânsito em julgado da sentença (art. 119), a não ser que se trate de (CP, art. 91, II):

a) instrumentos do crime, cujo uso, porte ou fabricação, seja considerado ilícito;

b) produto do crime ou qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do crime. Mesmo nesses casos, a restituição pode ser feita se os objetos pertencerem ao lesado ou terceiro de boa-fé.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

INCOMPATIBILIDADES E IMPEDIMENTOS

Incompatibilidades e impedimentos (art. 112)

O impedimento, tal qual a suspeição, afeta a parcialidade dos órgãos responsáveis pela condução do processo.

Porém, é mais grave, pois o juiz não pode exercer jurisdição no processo, por estar interessado em determinada solução da causa.

As hipóteses de impedimento estão previstas no art. 252 e 253 e tornam o ato inexistente.

Já a incompatibilidade cuida dos casos de parcialidade não previstos para a suspeição e impedimento e geralmente são previstas nas leis de organização judiciária.

EXCEÇÕES DILATÓRIAS

Exceções dilatórias (arts. 95 a 111)


Podem ser de:

a) suspeição – os órgãos responsáveis pela condução do processo penal devem ser imparciais, assim, se o juiz, o Ministério Público (MP) ou mesmo o perito incidirem tiverem relação com alguma das partes (art. 254) devem ser afastados do processo e os atos praticados serão considerados nulos (art. 564, I);

b) incompetência – todo juiz tem o poder de “dizer o direito”, isto é, aplicar o direito ao caso concreto (jurisdição). Porém, esse poder não é absoluto, devendo ser observadas algumas regras que o delimitam. Essa delimitação é denominada competência. A exceção é dirigida ao próprio juiz, que pode aceitá-la, remetendo os autos ao juiz competente, ou recusá-la, continuando no feito (art. 108). Da decisão que aceitar, cabe recurso em sentido estrito (art. 581, II) e da decisão que recusar a exceção, cabe habeas corpus;

c) ilegitimidade de parte – para atuar nos pólos passivo (réu) ou ativo (acusador) do processo penal é preciso que sejam preenchidos determinados requisitos (ex: nas ações penais privadas, apenas o ofendido ou o CADI podem figurar no pólo ativo). O fato pode voltar a ser julgado se as partes legítimas estiverem em seus pólos.

EXCEÇÕES PEREMPTÓRIAS

Exceções peremptórias

Uma pessoa não pode ser processada ou julgada mais de uma vez pelo mesmo fato (proibição do bis in idem).

Assim, se dois ou mais processos correrem simultaneamente dar-se-á a litispendência e o que se iniciou por último deve ser extinto.

Da mesma forma, se um processo chegou ao fim, isto é, a sentença transitou em julgado, impedindo qualquer recurso, a pessoa não pode mais ser julgada com relação àquele fato. Esse fenômeno é denominado coisa julgada e também impede a instauração de novo processo sobre o crime já julgado.

EXCEÇÕES

Exceções
O acusado pode se defender de duas formas:

a) diretamente, quando ataca a imputação que lhe é feita pela acusação (negando a autoria, por exemplo); ou

b) indiretamente, quando ataca o próprio processo, com o objetivo de extingui-lo sem o julgamento do mérito ou de, simplesmente, retardar o seu prosseguimento.

Essa defesa indireta é denominada exceção e se divide em:

a) peremptória, que impede o processo e julgamento do fato (coisa julgada e litispendência);

b) dilatória, que prorroga a duração do processo, possibilitando, ainda, o julgamento do fato (suspeição, incompetência e ilegitimidade de parte).

PROCESSOS INCIDENTES

Processos incidentes (arts. 95 a 154)

São eventualidades que podem aparecer no decorrer do processo e devem ser resolvidas no próprio juízo criminal.

a) Exceções;

b) Exceções peremptórias;

c) Exceções dilatórias;

d) Incompetência;

e) Ilegitimidade de parte;

f) Incompatibilidades e impedimentos;

g) Conflito de jurisdição;

h) Restituição de coisa apreendida;

i) Medidas assecuratórias;

j) Incidente de falsidade;

k) Insanidade mental do acusado;

QUESTÕES PREJUDICIAIS

Questões prejudiciais (arts. 92 a 94)

São aquelas relativas à existência do crime e que condicionam a decisão da questão principal.

São espécies de questões prejudiciais:

I) questões prejudiciais homogêneas – devem ser decididas no próprio juízo penal (ex: exceção de verdade no crime de calúnia – art. 138, § 3°);

II) questões prejudiciais heterogêneas – devem ser resolvias em outro ramo do direito (cível, trabalhista, administrativo etc) e dividem-se em:

a) obrigatórias – art. 92 – versa sobre estado civil e torna imperativo a suspensão do processo (ex: ação de anulação de casamento e crime de bigamia);

b) facultativas – art. 93 – aborda outras questões, sendo permitido ao juiz suspender ou não o processo (ex: controvérsia sobre a propriedade e crime de furto).

QUESTÕES E PROCESSOS INCIDENTES

O processo penal tem por finalidade resolver uma dupla questão fundamental: se o delito realmente existiu (materialidade) e se o réu cometeu o crime (autoria). Se as duas questões forem respondidas de modo afirmativo, o acusado será condenado e, caso contrário, será absolvido.

Porém, podem aparecer controvérsias que devem ser resolvidas antes da questão principal. Tais controvérsias são chamadas de questões e processos incidentes, ou seja, discussões que têm relação com o crime ou com o processo e devem, necessariamente, ser resolvidas, antes da questão principal.

São espécies de questões e processos incidentes:

I) questões prejudiciais (arts. 92 a 94);

II) processos incidentes (arts. 95 a 154), que se dividem em:

a) exceções (arts. 95 a 111);

b) incompatibilidade e impedimentos (art. 112);

c) conflito de jurisdição (arts. 113 a 117);

d) restituição das coisas apreendidas (arts. 118 a 124);

e) medidas assecuratórias (arts. 125 a 144); f) incidente de falsidade (arts. 145 a 148); g) incidente de insanidade mental do acusado (arts. 149 a 154).




Professor Alexandre Magno, Procurador do Banco Central do Brasil em Brasília. Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Estácio de Sá. Professor de Direito Penal e Processual Penal.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

A SÚMULA 394 DO STF E A LEI N° 10.628/2002

A SÚMULA 394 DO STF E A LEI N° 10.628/2002

A Súmula 394 do STF enunciava que "cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício".

Depois de vigorar por mais de 35 (trinta e cinco) anos, a sobredita Súmula foi cancelada, por unanimidade, em sessão plenária do STF, realizada em virtude do julgamento de uma Questão de Ordem suscitada no Inquérito 687-SP, iniciado em 30/04/1997, em que figurava como indiciado um ex-deputado federal.

Nossa Corte Suprema impingiu interpretação restritiva aos dispositivos constitucionais e, por via oblíqua, infraconstitucionais no que tange à competência por prerrogativa de função, entendendo que desta somente podem se beneficiar aqueles que se encontrarem desempenhando cargo ou mandato que lhe garanta o foro especial.

Durante o julgamento do STF, o Ministro Sidney Sanches advertiu que "a prerrogativa de foro visa a garantir o exercício do cargo ou do mandato, e não a proteger quem o exerce. Menos ainda quem deixa de exercê-lo". Continuou o insigne magistrado esclarecendo que "as prerrogativas de foro, pelo privilégio, que, de certa forma, conferem, não devem ser interpretadas ampliativamente, numa Constituição que pretende tratar igualmente os cidadãos comuns, como são, também, os ex-exercentes de tais cargos ou mandatos".

Restou sedimentado, então, no STF, que deixando o cargo definitivamente, seja qual for o motivo, seu ex-titular não terá direito a processo e julgamento em órgão jurisdicional distinto daquele que teria qualquer um do povo.

Ocorre que, não obstante o pacífico entendimento da Suprema Corte, no dia 24 de dezembro de 2002, véspera de natal, foi promulgada a Lei n° 10.628, que alterou o artigo 84 do Código de Processo Penal, dando nova redação ao caput e acrescendo-lhe dois parágrafos. Vejamos a novo dispositivo legal:

"Art. 84. A competência pela prerrogativa de função é do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais e Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, relativamente às pessoas que devam responder perante eles por crimes comuns e de responsabilidade.

§1°. A competência especial por prerrogativa de função, relativa a atos administrativos do agente, prevalece ainda que o inquérito ou a ação judicial sejam iniciados após a cessação do exercício da função pública.

§2°. A ação de improbidade administrativa, de que trata a Lei n. 8.249, de 2 de junho de 1992, será proposta perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou a autoridade na hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública, observado o disposto no §1°."

Esse novo texto incorporado à legislação processual penal, trouxe novamente à discussão a hipótese de manutenção do foro especial por prerrogativa de função em caso de definitiva cessação do exercício funcional que o alicerçava, questão, frise-se, já pacificada pelo STF, como já estudado.

O caput do artigo 84 teve poucas alterações. Na verdade, ocorreu apenas o aperfeiçoamento da redação, substituindo-se a expressão "Tribunais de Apelação" por "Tribunais de Justiça dos Estados ou do Distrito Federal", e acrescendo-se o STJ no rol dos tribunais competentes para o processo e julgamento dos delitos sujeitos a foro especial por prerrogativa de função.

O §1°, ora inserido, contrariando entendimento do STF, conferiu foro especial aos agentes, mesmo após a cessação de sua função pública, em relação às condutas inerentes aos atos administrativos praticados quando da vigência do exercício funcional. Já o §2°, também novo, estendeu o foro por prerrogativa de função, também após o término do exercício da função pública, aos acusados de atos de improbidade administrativa – definidos na Lei n° 8.429/92 – por atos praticados durante sua gestão.

A inconstitucionalidade de tais dispositivos, face ao princípio da isonomia, consagrado no caput do art. 5° da CF/88, parece evidente. Aliás, Dalmo de Abreu Dallari, referindo-se às novas regras quando ainda figuravam como Projeto de Lei n° 6.295/02, já advertia que "embora seja escandalosamente inconstitucional esse projeto foi estranhamente aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara de Deputados, onde se supõe que haja conhecedores da Constituição". (40)

Salta aos olhos que o novo regramento deixa de proteger o cargo para, em afronta ao princípio constitucional da igualdade, beneficiar pessoas. Ora, se se trata de ex-funcionário, de ex-ocupante de cargo público, não é possível a manutenção do foro especial de prerrogativa de foro para estes, pois não estão mais investidos no cargo público e nem exercendo função pública relevante que justifique um tratamento diferenciado em relação aos demais cidadãos. Não há mais, no particular, o interesse público que legitima o foro especial, pois os ex-agentes públicos, ao cessar o exercício de sua função pública, voltam a ser cidadãos comuns e, por isso, devem ser submetidos a processo e julgamento sem privilégios, respeitando-se, assim, o princípio de que todos são iguais perante a lei.

Corroborando esse posicionamento, Luiz Flávio Gomes assevera que "esse foro especial só tem sentido, portanto, enquanto o autor do crime está no exercício da função pública. Cessado tal exercício (não importa o motivo: fim do mandato, perda do cargo, exoneração, renúncia etc.), perde todo o sentido o foro funcional, que se transformaria (em caso contrário) em odioso privilégio pessoal, que não condiz com a vida republicana ou com o Estado Democrático de Direito". (41)

Verifica-se, então, que o legislador não criou uma prerrogativa, mas sim um privilégio, que visa a beneficiar a pessoa do ex-ocupante do cargo público, e não o cargo em si. Nesse ínterim, não há, dentro do ordenamento jurídico pátrio, qualquer razoabilidade que justifique o privilégio em questão.

Quanto ao §2°, ora acrescentado, também padece de vício de inconstitucionalidade, pois o legislador, equivocadamente, por meio de lei infraconstitucional, ampliou o rol de competências originárias constitucionais do STF, do STJ, dos TRFs e, em alguns casos, dos TJs. Criou novas regras, portanto, à competência dos tribunais superiores, a qual é fixada através das normas previstas na Constituição Federal.

Percebe-se, destarte, que as alterações trazidas pela Lei 10.628/02 consubstanciam-se em "um duro golpe contra os princípios republicanos de igualdade; fomento à criminalidade política, à corrupção, e é sabido que muitos têm se valido de prerrogativas asseguradas pelas funções para delinqüir impunemente". (42)Ademais, "a Lei 10.628/02 contraria a Constituição Federal; todo e qualquer senso de Justiça; princípios constitucionais basilares; o interesse social, e não corresponde, em absoluto, com as idéias e ideais da sociedade brasileira contemporânea, representando, sem sobra de dúvidas, ranço primitivo e ditatorial". (43)

Por Flúvio Cardinelle Oliveira Garcia
Curitiba - PR

COMPETÊNCIA POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO

Algumas pessoas, tendo em vista a importância do cargo público que ocupam, são julgadas e processadas criminalmente por órgãos jurisdicionais superiores, distintos do foro comum previsto aos cidadãos em geral. Essa distinção, nos dizeres de Mirabete, funda-se "na utilidade pública, no princípio da ordem e da subordinação e na maior independência dos tribunais superiores". (27)

Tourinho Filho ensina que "há pessoas que exercem cargos de especial relevância no Estado e, em atenção a esses cargos ou funções que exercem no cenário político-jurídico da nossa Pátria, gozam elas de foro especial, isto é, não serão processadas e julgadas como qualquer do povo, pelos órgãos comuns, mas, pelos órgãos superiores, de instância mais elevada". (28)

Nesse exercício jurisdicional levado a termo por órgãos diferenciados, relevando-se o cargo ou a função pública da pessoa, é que se verifica a competência pela prerrogativa de função (art. 69, VII, CPP).

Observe-se que não se trata de um privilégio concedido à pessoa, pois isso seria contrário ao princípio da igualdade expressamente contido no caput do artigo 5° da Constituição Federal, mas de uma prerrogativa que decorre da relevância e da importância do cargo ou da função que a pessoa ocupa ou exerce.

Fernando Capez discorre acerca do assunto e defende o respeito ao princípio da igualdade nos casos de prerrogativa de função. In verbis:

"de fato, confere-se a algumas pessoas, devido à relevância da função exercida, o direito a serem julgadas em foro privilegiado [sic]. Não há que se falar em ofensa ao princípio da isonomia, já que não se estabelece a preferência em razão da pessoa, mas da função [...] Na verdade, o foro por prerrogativa visa preservar a independência do agente político, no exercício de sua função, e garantir o princípio da hierarquia, não podendo ser tratado como se fosse um simples privilégio estabelecido em razão da pessoa". (29)

Corroborando esta mesma tese, Tourinho Filho didaticamente esclarece que:

"Poderia parecer, à primeira vista, que esse tratamento especial conflitaria com o princípio de que todos são iguais perante a lei [...], e, ao mesmo tempo, entraria em choque com aquele que proíbe o foro privilegiado. Pondere-se, contudo, que tal tratamento especial não é dispensado à pessoa [...], mas sim ao cargo, à função. [...] O que a Constituição veda e proíbe, como conseqüência do princípio de que todos são iguais perante a lei, é o foro privilegiado e não o foro especial em atenção à relevância, à majestade, à importância do cargo ou função que essa ou aquela pessoa desempenhe. [...] Esse foro especial, como bem disse Garraud ‘se legitima e se explica em face da necessidade de serem criadas garantias especiais de firmeza e de imparcialidade nos processos aos quais essas pessoas são expostas’". (30)

Convém frisar, portanto, a distinção entre privilégio, que decorre de benefício à pessoa, e prerrogativa, que se alicerça na função ou no cargo que a pessoa exerce ou ocupa. No primeiro, há ofensa ao texto constitucional, no segundo, não.

As hipóteses de foro especial previstas na Constituição Federal estão separadas de acordo com os órgãos constantes na estrutura do Poder Judiciário.

Assim, pela ordem, compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar, originariamente, "nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República (art. 102, I, b, CF/88) e "nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente" (art. 102, I, c, CF/88).

Ensina Scarance Fernandes que, para o STF, a competência por prerrogativa de função atinge também crime eleitoral e até mesmo a contravenção penal. (31)

Ao Superior Tribunal de Justiça compete processar e julgar, originariamente, nos termos do art. 105, I, a, da Lei Maior:

"nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais."

Contudo, no que concerne aos crimes eleitorais, o entendimento do próprio STJ é no sentido de que prevalece a competência da Justiça Eleitoral, no particular o Tribunal Superior Eleitoral, para o processo e o julgamento do delito, uma vez tratar-se de órgão jurisdicional especializado para conhecimento da matéria. (32)

Os Tribunais Regionais Federais são competentes para o processo e o julgamento dos "juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho, nos crimes comuns e de responsabilidade" e dos "membros do Ministério Público da União, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral" (art. 108, I, a, CF/88) (grifei).

Aos Tribunais Estaduais, compete o julgamento dos prefeitos municipais (art. 29, X, CF/88) e dos juízes estaduais e do Distrito Federal e Territórios, bem como dos membros do Ministério Público, nos crimes comuns e de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral(art. 96, III, CF/88). Ainda em relação aos Tribunais Estaduais, preceitua o artigo 125 da Carta Magna que aos Estados, observados os preceitos constitucionalmente firmados, incumbe a organização de sua Justiça e que "a competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça" (art. 125, §1°, CF/88).

Pelo princípio da simetria, as autoridades estaduais que ocuparem cargos ou exercerem funções equivalentes aos de âmbito federal têm a prerrogativa de ser julgadas por órgão jurisdicional superior que represente o equivalente estadual ao previsto na Lei Maior para os cargos federais. É de se atentar, porém, que o STJ já decidiu ser inconstitucional dispositivo constante em Constituição Estadual que institua foro por prerrogativa de função não previsto na Constituição Federal ou em lei federal.

Scarance Fernandes, em referência à Justiça Eleitoral, afirma que "no tocante ao processo e julgamento de autoridades sujeitas, em relação ao crime comum, ao Tribunal de Justiça Estadual, tanto o Supremo Tribunal Federal como o Superior Tribunal de Justiça atribuem a competência ao Tribunal Regional Eleitoral". (33)

Urge salientar que nos casos de competência por prerrogativa de função o local onde o delito foi cometido não é relevante, sendo sempre ressalvada a competência originária dos órgãos jurisdicionais. Infere-se, portanto, que se um Promotor de Justiça do Distrito Federal, por exemplo, for acusado de um crime praticado em São Paulo, deverá ser processado e julgado perante o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, e não perante o do locus delicti commissi. (34)De igual forma, se um Procurador da República ou um Juiz Federal, em exercício no TRF da 1ª Região, cometer um crime em São Paulo, não responderá perante o TRF da 3ª Região, mas perante o de 1ª Região, com sede e jurisdição em Brasília.

Com bastante proficiência, Mirabete ressalta que "os dispositivos constitucionais sobre prerrogativa de função, alteraram, evidentemente, os artigos 86 e 87 do Código de Processo Penal com relação à competência do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais de Apelação (de Justiça, de Alçada), além de acrescentar hipóteses de competência de nova Corte, o Superior Tribunal de Justiça". (35)

Interesse notar que a competência por prerrogativa de função, quando for o caso de concurso de pessoas, abrangerá também, ex vi arts. 77, I, e 78, III, do CPP, pessoas não gozam de foro especial. Contudo, consoante a jurisprudência, se a denúncia contra a pessoa que desfruta do foro especial for rejeitada, os demais denunciados, não beneficiados originalmente pela prerrogativa de função, serão processados e julgados segundo as regras gerais de competência, ou seja, o julgamento retorna para o primeiro grau de jurisdição (RT 740/643).

O artigo 85 do Código de Processo Penal prevê nova situação em que se assegura o foro especial por prerrogativa de função a pessoas que originariamente dele não poderiam se beneficiar. Vejamos: "Nos processos por crime contra a honra, em que forem querelantes as pessoas que a Constituição sujeita à jurisdição do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais de Apelação, àquele ou a estes caberá o julgamento, quando oposta e admitida a exceção da verdade".

Magalhães Noronha, citado por Mirabete, leciona que a razão para tanto é clara. In verbis:

"Movida ação por pessoa que goza de foro especial contra o autor da ofensa à sua honra, é óbvio que o processo deve ocorrer perante a Justiça comum, mas, oposta a exceptio veritatis, isto é, propondo-se o acusado demonstrar a verdade do fato que imputou, fato que acarretará conseqüências nocivas e prejudiciais e, eventualmente, até ação penal contra o ofendido, tudo aconselha a que o processo em curso, com a exceção de verdade, seja apreciado pelo Juízo competente conforme o foro por prerrogativa de função. Este que é competente para o processo do querelante é também para apreciar a exceção da verdade oposta contra ele. Dá-se agora, prorrogação e competência do foro especial". (36)

Mirabete bem lembra que, dentre os crimes contra a honra previstos na legislação penal, o artigo 85 do CPP somente é aplicável para os casos de calúnia, pois na injúria não se admite a exceção de verdade e na difamação, ainda que admitida a exceptio veritatis, não há imputação de fato definido como crime, mas apenas de fato ofensivo à reputação.

Nos casos de crime doloso contra a vida, em que o réu gozar de foro especial por prerrogativa, boa parte da doutrina entende que a competência para o processo e o julgamento será do foro especial e não do Tribunal do Júri, desde que a prerrogativa de função não esteja prevista em Constituição Estadual, em lei processual ou em normas de organização judiciária. Nesses casos, deverá prevalecer a norma constitucional. (37)

Outros, porém, consideram o Tribunal do Júri como uma garantia individual, posto que inserido no rol do artigo 5° da Constituição Federal. Nesse diapasão, elencado o sobredito instituto como cláusula pétrea, deve sempre sobrepor-se ao foro especial por prerrogativa de função. (38)

Como a competência por prerrogativa de função relaciona-se diretamente ao cargo ou função que a pessoa ocupe ou exerça, parece óbvio afirmar que a mesma não se estende aos delitos perpetrados após a cessação definitiva do exercício funcional, conforme apregoa a Súmula 451 do STF. (39) Nesse sentido, RTJ 75/420; RT 412/113, 499/302, 506/318, 534/380; RJTJESP 42/294 e outros.

COMPETÊNCIA PELO DOMICÍLIO OU RESIDÊNCIA DO RÉU

A regra para se determinar a competência em limites territoriais brasileiros é, como estudamos, a do locus delicti commissi. Na impossibilidade, contudo, de se conhecer o lugar em que foi cometida a infração penal, prevê o artigo 72 do Código de Processo Penal que a competência seja fixada pelo domicílio ou residência do réu (forum domicilii). Tem-se, destarte, um critério subordinado, subsidiário, um foro supletivo para o exercício jurisdicional nos casos concretos em que não for conhecido o lugar onde o delito foi perpetrado e o critério da prevenção não puder ser aplicado.

Tourinho Filho alerta que domicílio e residência são expressões com significados distintos (24). Não obstante isso, o Código de Processo Penal não define uma nem outra, o que força o intérprete a recorrer ao Código Civil para dirimir suas dúvidas. O artigo 70 do Novo Código Civil define o domicílio da pessoa natural como o "lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo". Infere-se, assim, que a residência tem um caráter mais transitório, exprimindo unicamente o fato da habitação. O domicílio, por sua vez, exprime algo mais permanente: a intenção de fixar residência.

Transpondo para o Processo Penal as definições constantes nos artigos 70 e seguintes do novo diploma civil de 2002 (antigos arts. 31 e seguintes do Código Civil de 1916), Mirabete esclarece que "deve-se entender que a competência é determinada pelo domicílio (residência com ânimo definitivo, centro de ocupações habituais, na falta de ambos o ponto central de negócio ou, na falta dos anteriores, o lugar onde for encontrado) ou pela residência (simples local de habitação ou morada)". (25)

Sobre o tema, Tourinho Filho afirma que "o legislador, tendo em vista a distinção que, no cível, se estabelece entre domicílio e residência, procurou, no campo processual penal, solucionar o problema de competência de maneira mais simples: tanto no domicílio como na residência poderá tramitar a causa penal". (26)

Caso o réu possua várias residências, considerar-se-á seu domicílio qualquer uma delas (art. 71, NCC). Na hipótese de não ter residência habitual, o foro competente será aquele onde for encontrado (art. 73, NCC). Em último caso, não se sabendo seu paradeiro, a competência será fixada por prevenção, na forma dos artigos 83 e 72, §2°, do CPP.

Por fim, ressalte-se que a competência também poderá ser determinada pelo domicílio ou residência do réu, mesmo quando conhecido o lugar da infração. É o que pode ocorrer nos casos referentes à ação privada exclusiva, bastando que, para tanto, o querelante expresse sua vontade nesse sentido (art. 73, CPP).

COMPETÊNCIA PELO LUGAR DA INFRAÇÃO

Expressamente prevista no artigo 69, inciso I, do Código de Processo Penal, a competência fixada pelo lugar da infração, ou forum delicti commissi,é a regra para a determinação do juiz a quem incumbe o exercício do poder jurisdicional (artigo 70, 1ª parte, do CPP) naquele caso concreto.

Mais precisamente, entende-se que o lugar onde se consumou a infração penal é o que firma a competência para o processo e julgamento da causa, pois é justamente neste foro onde há maior facilidade para coligir os elementos probatórios necessários à constatação da materialidade e à certeza da autoria. Ademais, é o lugar onde o exemplo de repressão é exigido.

Entenda-se foro como o território dentro de cujos limites o juiz exerce a jurisdição.

O artigo 70 do Código de Processo Penal, ao prever que "a competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução", adota claramente a chamada Teoria do Resultado.

Em contrapartida, o Código Penal, ao definir o lugar do crime (art. 6°), estabelece que "considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado", consagrando, para o Direito Penal, a Teoria da Ubiqüidade. Sobre o tema, manifesta-se Mirabete asseverando que "a superveniência da Lei n° 7.209, de 11-7-84, que deu nova redação à Parte Geral do Código Penal, não alterou a regra do artigo 70, caput, do CPP, já que o artigo 6° daquele Estatuto refere-se ao lugar do crime para os efeitos de direito penal e não como regra de competência"