segunda-feira, 14 de julho de 2008

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO PROCESSUAL PENAL (8)

PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL

8.1 - O princípio do juiz natural é expressão do princípio da isonomia e também um pressuposto de imparcialidade.

Vale salientar que este princípio está vinculado ao pensamento iluminista e, conseqüentemente, à Revolução Francesa. Como se sabe, com ela foram suprimidas as justiças senhoriais e todos passaram a ser submetidos aos mesmos tribunais.

Desta forma, vem à lume o princípio do juiz natural (ou juiz legal, como querem os alemães) com o escopo de extinguir os privilégios das justiças senhoriais (foro privilegiado), assim como afastar a criação de tribunais de exceção, ditos ad hoc ou post factum.

Destarte, todos passam a ser julgados pelo “seu” juiz, o qual encontra-se com sua competência previamente estabelecida pela lei, ou seja, em uma lei vigente antes da prática do crime.

Por outro lado, é preciso questionar a respeito da sua extensão, desde que sempre foi descurado no Brasil e, mais ainda, depois da Constituição Federal de 1988, na qual se procurou - e se fez!- estabelecer regra (art. 5º, LIII) que escapasse de qualquer manipulação política/jurídica sobre a competência, a qual sempre foi abordada/questionada pela doutrina e vetada pela jurisprudência européia quando discute-se a matéria a partir de suas bases legais, mormente na Itália (Costituzione della Repubblica), fonte principal do nosso modo de pensar.[29]

Assim, nosso legislador constituinte de 1988, como se sabe, não tratou expressamente do juiz natural, como haviam feito os europeus continentais após a Revolução Francesa, de um modo geral, exatamente para que não se alegasse não estar inserido nele a questão referente à competência. Ao contrário, por exemplo, do art. 25, da Constituição Italiana atual, em vigor desde 01.01.48 (“Nessuno può essere disolto dal giudice naturale precostituito per legge”), preferiu nosso legislador constituinte, seguindo o alerta da nossa melhor doutrina, em face dos acontecimentos ocorridos no país e profundamente conhecidos (veja-se a atuação do Ato Institucional nº 2, de 27.10.65, e a discussão no STF a respeito da matéria, com seus respectivos resultados práticos), tratá-la de modo a não deixar margem às dúvidas, como garantia constitucional do cidadão, no art. 5º, LIII:

“ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”. (-gn-).

Parte considerável de nossa doutrina, no entanto, quiçá por não se dar conta da situação, mormente após a definição constitucional, continua insistindo que a matéria referente à competência não tem aplicação no princípio em discussão. Em verdade, o que se está a negar, aqui, é a própria CF, empeçando-se a sua efetivação.

A questão, então, há de ser discutida a partir do que vem a ser juízo competente. Ao que parece, não há no mundo quem melhor trate desta matéria que o professor Jorge de Figueiredo Dias, sempre fundado nos pressupostos constitucionais de seu país, de todo aplicados ao nosso entendimento.

Esclarece ele “que o princípio do juiz natural visa, entre outras finalidades estabelecer a organização fixa dos tribunais”[30], mas ela “não é ainda condição bastante para dar à administração da justiça - hoc sensu, à jurisdição - a ordenação indispensável que permite determinar, relativamente a um caso concreto qual o tribunal a que, segundo a sua espécie, deve ser entregue e qual, dentre os tribunais da mesma espécie, deve concretamente ser chamado a decidi-lo”[31]. Assim, seguindo o pensamento do professor de Coimbra, faz-se necessário regulamentar o âmbito de atuação de cada tribunal, de modo a que cada caso concreto seja da competência de apenas um tribunal: o juiz natural.[32]

Aliás, pensamento diverso poderia abrir um precedente capaz de possibilitar a escolha de um juiz "mais interessante" para o julgamento de determinados casos, depois desses terem acontecido, segundo critérios pessoais (mais liberal ou mais conservador, por exemplo), o que pode indicar na direção da suspeita da sua imparcialidade (em juízo a priori, naturalmente), algo sempre abominado pela reta Justiça e que, como se sabe, serviu de base estrutural ao pensamento da Revolução Francesa, a qual, vitoriosa, editou, como a primeira de suas leis processuais, em 11.08.1789, regramento tendente a vetar qualquer manipulação neste sentido (termina a justiça senhorial), consolidando-se o princípio do juiz natural na Constituição de 1791 e na legislação subsequente.

É preciso ressaltar, ainda, que o princípio da identidade física do juiz não se confunde com o princípio do Juiz Natural. Como se sabe, por este, ninguém poderá ser processado ou sentenciado por juiz incompetente, ou seja, o juiz natural é o juiz competente, aquele que tem sua competência legalmente preestabelecida para julgar determinado caso concreto. Já por aquele (o princípio da identidade física) assegura-se aos jurisdicionados a vinculação da pessoa do juiz ao processo. Assim, por exemplo, pelo disposto no Código de Processo Civil, o juiz competente responsável pela conclusão da audiência de instrução e julgamento vincular-se-á ao processo e deverá, então, julgar a lide. Resta claro, destarte, que os princípios supracitados não se confundem e que o art. 132, do CPC, refere-se tão-só ao princípio da identidade física do juiz. No nosso processo penal, todavia, jamais teve ele aplicação, pela própria natureza do sistema adotado, embora seja tema de grandes discussões.

COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Introdução aos princípios do Direito Processual Penal brasileiro. In: Separata ITEC, ano 1, nº 4 – jan/fev/mar 2000, p. 3.