terça-feira, 22 de julho de 2008

PRINCÍPIOS INERENTES À AÇÃO PENAL

Para Jefferson Jorge, em "Para Aprender Direito - Direito Processual Penal - da editora Barros, Ficher e Associados, p. 27 e seguintes,", a ação penal será regima pelos seguintes princípios:

PRINCÍPIO DA OPORTUNIDADE OU CONVENIÊNCIA

Compete ao titular do direito a faculdade de propor ou não a ação penal, de acordo com sua conveniência.


PRINCÍPIO DA DISPONIBILIDADE

Encontra-se previsto na ação penal privada e na pública condicionada à representação. Assim, faculta ao ofendido o dirieto de prosseguir ou não com referida ação. Insta salientar que tal princípio não se faz presente na ação penal pública incondicionada, em razão da indisponibilidade da ação penal (art. 42, CPP).


PRINCÍPIO DA INDIVISIBILIDADE

O processo contra um ofensor obriga os demais; a renúncia ao direito de queixa em relação a um dos ofensores estende-se a todos; o perdão do querelante dado a um dos ofensores aproveita aos demais (arts. 48, 49 e 51 do CPP); o querelante não poderá optar, entre os ofensores, quais deles processará.


PRINCÍPIO DA INTRANSCEDÊNCIA

A ação penal é limitada à pessoa do ofensor (réu ou querelado), não atingindo seus familiares.


PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ

O juiz que presidiu a instrução está vinculado a prolatar a sentença. Esse princípio não está consagrado no CPP, somente se fazendo presente no processo civil, uma vez que o juiz, ao presidir a audiência de instrução, estará vinculado a proferir a sentença.

PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS

Não será declarada a nulidade de ato processual que não houver influído na apuração da verdde substancial ou na dedisão da causa (art. 566, CPP).


PRINCÍPIO DA VERDADE REAL

O juiz, de ofício, pode determinar qualquer diligência a fim de descobrir a verdade real dos fatos que são objetos da ação penal.


PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO OU PERSUASÃO RACIONAL

O juiz formará sua convicção pela livre apreciação das provas, tendo liberdade em sua valoração, conforme sua consciência. Contudo, é evidente que ele está vinculado às provas produzidas nos autos pelas partes ou determinads de ofício, na busca da verdade real.


PRINCÍPIO DA TITULARIDADE

É um princípio atrelado à ação penal pública incondicionada, em que a titularidade do direito de punir é do Ministério Público. Ressalte-se a exceção prevista no art. 29 do CPP e no art. 100, § 3º, do Código Penal, ao admitir a ação penal privada subsidiária da pública, em caso de inércia do órgão ministerial.


PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE

Estando diante de uma figura típica, o promotor de justiça deverá exercer o mister que recebeu da Constituição Federal e oferecer a denúncia. Caso não o faça, segundo Fernando Capez, incorrerá em crime de prevaricação.

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL (8)

PRINCÍPIO DA VERDADE PROCESSUAL

Para Paulo Rangel (Direito Processual Penal, 14a. edição, LumenJuris, 2008, p. 6), "o princípio da verdade processual é apontado por parte d doutrina como o escopo primordial do processo penal.

Entretanto, há que se distinguir o objetivo do processo penal e o meio e modo utilizados por ele para alcançar seu fim: a solução do caso penal.

Doravante o leitor irá encontrar a expressão caso penal no lugar de lide por entendermos, como Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, que é mais adequada e técnica essa denominação, in verbis:

"Com ele (caso penal) estamos diante de uma incerteza, de dúvida, quanto à aplicação da sanção penal ao agente que, com sua conduta, incidiu no tipo penal. Em não sendo auto-executável a sanção, não há outro caminho que o processo para fazer o acertamento do caso penal. A jurisdição, ademais, é indefectível e atua, até o acertamento positivo, de condenação, alheia a elementos de ordem subjetiva (Coutinho, Jacinto Nelson de Miranda. A lide e o conteúdo do proceso penal. Curitiba: Juruá, 1989, p. 135)"

Descobrir a verdade processual é colher elementos probatórios necessários e lícitos para se comprovar, com certeza (dentro dos autos), quem realmente enfrentou o comando normativo penal e a maneira pela qual o fez.

A verdade é dentro dos autos e pode, muito bem, não corresponder à verdade do mondo dos homens. Até porque o conceito de verdde é relativo, porém, nos autos do processo, o juiz tem que ter no mínimo de dados necessários (meios de provas) para julgar admissível ou não a pretensão acusatória.

Afirmar que a verdde, no processo penal, não existe é reconhecer que o juiz penal decide com base em sua mentira, em sua inverdade. Ao mesmo tempo, dizer que ele decide com base na verdade processual, como se ela fosse única, é uma grande mentira.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL (8)

8.4 - PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA

O princípio do contraditório e da ampla defesa está previsto na Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 5º, inciso LV, dispondo que:

"aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Esse princípio assegura, ainda, a igualdade entre o órgão de acusação e a defesa do acusado, permitindo iguais meios para cada qual, de discordar, aceitar ou simplesmente modificar os fatos e o direito alegado pelo autor, de acordo com o que lhe seja mais conveniente.

Em suma, ninguém pode ser processado ou condenado sem defesa, devendo o Estado nomear um defensor dativo ao acusado que não queira se defender, ou não possa contratar um profissional para fazer sua defesa (CPP, arts. 261 e 263).

Sobre o contraditório, ensina Paulo Rangel, em seu livro Direito Processual Penal, 14ª edição, Lúmen Júris, 2008, p. 16 (à venda na ISI LIVRARIA JURÍDICA – 61 3225.8494, em Brasília, DF):

“Não só a Constituição da República, mas também a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos, chamada de Pacto de São José da Costa Rica, aprovada pelo Congresso Nacional, através do Decreto Legislativo n.º 27, de 26 de maio de 1992, garante o contraditório. Diz o art. 8º:

‘Art. 8º - Garantias Judiciais:

I – Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.’

A instrução contraditória é inerente ao próprio direito de defesa, pois não se concebe um processo legal, buscando a verdade processual dos fatos, sem que se dê ao acusado a oportunidade de desdizer as afirmações feitas pelo Ministério Público (ou seu substituto processual) em sua peça exordial. Não. A outra parte também deve ser ouvida (audiatur est altera pars).

Por isso se diz que há no contraditório informação e reação, pois é a ciência bilateral dos atos e termos do processo e possibilidade de contrariá-los (Almeida, Joaquim Canuto Mendes de. Princípios Fundamentais do Processo Penal, São Paul, RT, 1973, p.82).”

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL (8)

8.3 - PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

Este princípio se encontra na Declaração dos Direitos do Homem de 1789, nos seguintes termos:

“Ninguém pode ser acusado, preso ou detido senão nos casos determinados pela lei e de acordo com as formas por esta prescrita”.

Sem dúvida nenhuma, este é um dos pilares básicos do Estado Democrático de Direito previsto no art. 5°, inciso II, da Constituição Federal que dispõe que

“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

O princípio da legalidade é um freio constitucional posto ao poder do Estado para que não puna arbitrariamente seus indivíduos. Este princípio impede que o Estado haja em consonância com a lei.

Exigi-se, no processo penal, que a lei seja produzida pelo ente competente, nesse caso a União, devido ao que dispõe o art. 22, inciso I, diz que é de competência privativa da União legislar sobre o direito processual.

No âmbito do processo penal, o princípio da legalidade está também bastante relacionado ao art. 5°, inciso XXXIX da CF, pois o mesmo revela que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.

Enfim, o princípio da legalidade detrmina a obrigatoriedade de investigação policial e propositura da ação penal, sob pena da prática do crime de prevaricação, uma vez presentes os elementos necessários para tanto.

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO PROCESSUAL PENAL (8)

8.2 - PRINCÍPIO DA INOCÊNCIA

Este princípio também é conhecido como princípio da presunção de inocência. Está indicado no art. 5º, inciso LVII, da Constituição da República Federativa do Brasil. Dispõe que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Indica, ainda, que ninguém pode ser preso antes do trânsito em julgado e sentença condenatória, excetuando-se os casos de prisão cautelar. Esse princípio consagra também o direito de apelar em liberdade, mais suavizado ainda por inúmeras leis esparsas e entendimentos jurisprudenciais.

Foi previsto também no art. 9º da Declaração Americana dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, reiterado pelo art. 26 da Declaração Americana de Direitos e Deveres, de 2 de maio de 1948, e no art. 11 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, da ONU.

Eugênio Pacelli de Oliveira, em seu Curso de Processo Penal, 9a. edição, da editora Lumen Juris, que se acha à disposição de todos na ISI LIVRARIA JURÍDICA, ensina sobre o tema o seguinte:

"Afirma-se freqüentemente em doutrina que o princípio da inocência, ou estado ou situação jurídica de inocência, impõe ao Poder Público a observância de duas regras específicas em relação ao acusado: uma de tratamento, segundo a qual o réu, em nenhum momento do inter persecutório, pode sofrer restrições pessoais fundadas exclusivamente na possibilidade de condenação, e outra de fundo probatório, a estabelecer que todos os ônus da prova relativa à existência do fato e à sua autoria devem recair exclusivamente sobre a acusação. À defesa restaria apenas demonstrar a eventual presença de fato caracterizador de excludente de ilicitude e culpabilidade, cuja presença fosse por ela alegada.

No que se refere às regras de tratamento, o estado de inocência encontra efetiva aplicabilidade, sobretudo no campo da prisão provisória, isto é, na custódia anterior ao trânsito em julgado, e no do instituto a que se convencionou chamar de "liberdade provisória".

Naquele campo, como se verá, o princípio exerce função relevantíssima, ao exigir que toda privação da liberdade antes do trânsito em julgado deva ostentar natureza cautelar, com a imposição de ordem judicial devidamente motivada. Em outras palavras, o estado de inocência (e não a presunção)proíbe a antecipação dos resultados finais do processo, isto é, a prisão, quando não fundada em razões de extrema necessidade, ligadas à tutela da efetividade do processo e/ou da própria realização da jurisdição penal.

E não é só. Até mesmo para o ato de indiciamento, que vem a ser uma formalização da situação de investigado em inquérito policial, é possível reclamar-se a presença de justa causa, que logo veremos tratar-se, ou poder tratar-se, de uma condição da ação penal. É que também o indiciamento impõe uma carga significativa e socialmente onerosa à situação jurídica do inocente.

Vai nesse sentido a decisão do STF, que, embora relativa a pedido de indiciamento de deputado federal - feito pelo Procurador-Geral da República -, pode ser aplicada em relação a qualquer outro acusado (inq. n.º 2.041/MG, Rel. Celso de Mello, em 6.10.2003).

Aliás, a rigor, o indiciamento somente deveria ser realizado após a conclusão das investigações da autoridade policial, para fins da elaboração do relatório final acerca do material indiciário recolhido, consoante se pode extrair da leitura do art. 6º, V, do CPP (oitiva do indiciado após a coleta de toda a prova disponível).

E mais. Não nos parece possível argumentar-se com uma suposta natureza programática da norma constitucional em apreço - "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". Toda norma constitucional tem, no mínimo, eficácia suficiente para revogar disposições legais com ela incompatíveis; não bastasse, é o próprio parágrafo único do art. 5º da CF que determina a aplicação imediata das normas que instituem direitos e garantias fundamentais".

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO PROCESSUAL PENAL (8)

PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL

8.1 - O princípio do juiz natural é expressão do princípio da isonomia e também um pressuposto de imparcialidade.

Vale salientar que este princípio está vinculado ao pensamento iluminista e, conseqüentemente, à Revolução Francesa. Como se sabe, com ela foram suprimidas as justiças senhoriais e todos passaram a ser submetidos aos mesmos tribunais.

Desta forma, vem à lume o princípio do juiz natural (ou juiz legal, como querem os alemães) com o escopo de extinguir os privilégios das justiças senhoriais (foro privilegiado), assim como afastar a criação de tribunais de exceção, ditos ad hoc ou post factum.

Destarte, todos passam a ser julgados pelo “seu” juiz, o qual encontra-se com sua competência previamente estabelecida pela lei, ou seja, em uma lei vigente antes da prática do crime.

Por outro lado, é preciso questionar a respeito da sua extensão, desde que sempre foi descurado no Brasil e, mais ainda, depois da Constituição Federal de 1988, na qual se procurou - e se fez!- estabelecer regra (art. 5º, LIII) que escapasse de qualquer manipulação política/jurídica sobre a competência, a qual sempre foi abordada/questionada pela doutrina e vetada pela jurisprudência européia quando discute-se a matéria a partir de suas bases legais, mormente na Itália (Costituzione della Repubblica), fonte principal do nosso modo de pensar.[29]

Assim, nosso legislador constituinte de 1988, como se sabe, não tratou expressamente do juiz natural, como haviam feito os europeus continentais após a Revolução Francesa, de um modo geral, exatamente para que não se alegasse não estar inserido nele a questão referente à competência. Ao contrário, por exemplo, do art. 25, da Constituição Italiana atual, em vigor desde 01.01.48 (“Nessuno può essere disolto dal giudice naturale precostituito per legge”), preferiu nosso legislador constituinte, seguindo o alerta da nossa melhor doutrina, em face dos acontecimentos ocorridos no país e profundamente conhecidos (veja-se a atuação do Ato Institucional nº 2, de 27.10.65, e a discussão no STF a respeito da matéria, com seus respectivos resultados práticos), tratá-la de modo a não deixar margem às dúvidas, como garantia constitucional do cidadão, no art. 5º, LIII:

“ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”. (-gn-).

Parte considerável de nossa doutrina, no entanto, quiçá por não se dar conta da situação, mormente após a definição constitucional, continua insistindo que a matéria referente à competência não tem aplicação no princípio em discussão. Em verdade, o que se está a negar, aqui, é a própria CF, empeçando-se a sua efetivação.

A questão, então, há de ser discutida a partir do que vem a ser juízo competente. Ao que parece, não há no mundo quem melhor trate desta matéria que o professor Jorge de Figueiredo Dias, sempre fundado nos pressupostos constitucionais de seu país, de todo aplicados ao nosso entendimento.

Esclarece ele “que o princípio do juiz natural visa, entre outras finalidades estabelecer a organização fixa dos tribunais”[30], mas ela “não é ainda condição bastante para dar à administração da justiça - hoc sensu, à jurisdição - a ordenação indispensável que permite determinar, relativamente a um caso concreto qual o tribunal a que, segundo a sua espécie, deve ser entregue e qual, dentre os tribunais da mesma espécie, deve concretamente ser chamado a decidi-lo”[31]. Assim, seguindo o pensamento do professor de Coimbra, faz-se necessário regulamentar o âmbito de atuação de cada tribunal, de modo a que cada caso concreto seja da competência de apenas um tribunal: o juiz natural.[32]

Aliás, pensamento diverso poderia abrir um precedente capaz de possibilitar a escolha de um juiz "mais interessante" para o julgamento de determinados casos, depois desses terem acontecido, segundo critérios pessoais (mais liberal ou mais conservador, por exemplo), o que pode indicar na direção da suspeita da sua imparcialidade (em juízo a priori, naturalmente), algo sempre abominado pela reta Justiça e que, como se sabe, serviu de base estrutural ao pensamento da Revolução Francesa, a qual, vitoriosa, editou, como a primeira de suas leis processuais, em 11.08.1789, regramento tendente a vetar qualquer manipulação neste sentido (termina a justiça senhorial), consolidando-se o princípio do juiz natural na Constituição de 1791 e na legislação subsequente.

É preciso ressaltar, ainda, que o princípio da identidade física do juiz não se confunde com o princípio do Juiz Natural. Como se sabe, por este, ninguém poderá ser processado ou sentenciado por juiz incompetente, ou seja, o juiz natural é o juiz competente, aquele que tem sua competência legalmente preestabelecida para julgar determinado caso concreto. Já por aquele (o princípio da identidade física) assegura-se aos jurisdicionados a vinculação da pessoa do juiz ao processo. Assim, por exemplo, pelo disposto no Código de Processo Civil, o juiz competente responsável pela conclusão da audiência de instrução e julgamento vincular-se-á ao processo e deverá, então, julgar a lide. Resta claro, destarte, que os princípios supracitados não se confundem e que o art. 132, do CPC, refere-se tão-só ao princípio da identidade física do juiz. No nosso processo penal, todavia, jamais teve ele aplicação, pela própria natureza do sistema adotado, embora seja tema de grandes discussões.

COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Introdução aos princípios do Direito Processual Penal brasileiro. In: Separata ITEC, ano 1, nº 4 – jan/fev/mar 2000, p. 3.

domingo, 13 de julho de 2008

APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL PENAL (7)

A lei processual no tempo

A lei processual penal tem aplicação imediata, nos termos do artigo 2º, do CPP, que estabelece que “a lei processual penal aplica-se desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a urgência da lei anterior”.

O legislador pátrio adotou o princípio do “tempus reget actum” (aplicação imediata das normas processuais penais), não havendo efeito retroativo, visto que, se tivesse, a retroatividade anularia os atos anteriores, o que não ocorre, pois os atos processuais realizados sob a égide da lei anterior se consideram válidos.

Em decorrência do mencionado princípio, duas são as conseqüências, então: a) os atos processuais realizados sob a égide da lei anterior são considerados válidos; b) as normas processuais têm imediata aplicação, regulando o desenrolar restante do processo, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada (CF, art.5º, XXXVI; LICC, art.6º, CPP, art.2º).

Vale ressaltar que não é raro que as normas jurídicas possuam natureza mista, ora de natureza processual e ora de natureza material. Assim, se a norma processual penal possuir também caráter material penal, aplicar-se-ão, quanto à sua disciplina intertemporal, segundo Capez(1) , as regras do art. 2º e parágrafo único do Código Penal, recepcionadas pelo artigo 5º, inciso XL, da Constituição Federal; em outras palavras, atribuir-se-á efeito retroativo ao dispositivo que for mais favorável ao réu (ultratividade e retroatividade benéfica).

Tarefa difícil é, entretanto, fazer esta identificação. A norma terá caráter penal material quando versar sobre o direito de punir do Estado (tanto em sua forma abstrata quanto em seu aspecto concreto, isto é, como pretensão punitiva), criando-o, extinguindo-o ou modificando-o. Assim, normas relativas ao direito de representação, à prescrição, à decadência e a perempção serão, concomitantemente, penais e processuais penais (CP, art. 107, IV).

Nota-se isso nas discussões em torno da Lei nº9.099/95, que transformou as infrações de lesões corporais leves e de lesões culposas em crimes de ação penal pública condicionada à representação (art. 88).

Do mesmo modo, normas que dizem respeito à progressão de regime, por ampliarem ou restringirem a satisfação do direito de punir do Estado, implicando maior ou menor rigor no cumprimento da pena, têm natureza preponderantemente penal, devendo submeter-se ao princípio constitucional da retroatividade in mellius (nesse sentido: STJ, 6ª T., REsp. 61.897-0/SP, rel. Min. Adlemar Maciel, v. u., DJU, 20 de maio de 1996; 6ª T., Resp. 78.791-0/SP, rel. Min. Adhemar Maciel, m. v., DJU, 9 de setembro 1996; 5ª T., Resp 70.882-0/PR, rel. Min. Cid Flaquer Scartezzini, v. u., DJ,5 de agosto de 1996).

Por último, vale lembrar, ainda, alguns institutos importantes:

a) Vacatio legis: período decorrente entre a publicação e a data em que começa a sua vigência(45 dias se a lei não dispuser ao contrário e 3 meses para sua aplicação nos Estados Estrangeiros, quando esta é admitida art. 1º e §1º da LICC).

b) Revogação: encerra-se a vigência da lei com a sua revogação, que pode ser expressa (uma lei posterior determina expressamente a cessação da eficácia da anterior) ou tácita (a lei posterior é incompatível com a lei anterior, ou regule inteiramente a matéria anteriormente tratada – LICC, art.2º, § 1º). A revogação parcial chama-se derrogação sendo a total chamada de ab-rogação. A auto-revogação ocorre quando cessa a situação de emergência ou anormalidade, no caso da lei excepcional ou se esgota o prazo, tratando-se de lei temporária.

c) Repristinação: a lei revogada volta a viger quando a lei revogadora perde a vigência. A regra é a não ocorrência da repristinação, salvo se houver disposição legal expressa (LICC, art. 2º, § 3º).

OUTRO COMENTÁRIO SOBRE SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS (6)

Três tipos de Processo Penal são conhecidos: o inquisitório, o misto e o acusatório.

I – Inquisitório

Nesse tipo de processo não havia igualdade nem liberdade processuais; as figuras do acusado, defensor e julgador se fundiam em uma só pessoa. Foi o processo que vigorou durante a Santa Inquisição, onde o acusado não tinha direitos, sendo a confissão suficiente para condená-lo. A tortura era permitida, o processo secreto e não havia qualquer possibilidade de recusa ou afastamento do juiz, que era permanente.

II – Misto

O processo de natureza mista surgiu com a Revolução Francesa e vigora até hoje na França e, na América do Sul, na Venezuela. São características desse sistema ter uma primeira fase não contraditória e secreta, que engloba investigação e instrução, havendo publicidade e contraditório apenas na segunda fase, a do julgamento.

III – Acusatório

É o sistema adotado no Brasil. A acusação, a defesa e a decisão estão em mãos de pessoas diferentes. É um procedimento escrito, público e contraditório, onde as partes se situam em pé de igualdade, possuindo os mesmos deveres e direitos. Esse procedimento geralmente é precedido de uma fase investigatória inquisitiva, denominada inquérito policial. A iniciativa do processo compete a quem acusa, não podendo o juiz agir de ofício.


(6) DÓRO, Tereza Nascimento Rocha, ob. cit. p. 14

SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS (5)

A doutrina identifica três sistemas distintos de processo, fazendo-o, principalmente e conforme a distribuição da titularidade das atividades de julgar, acusar e defender. São eles:

I – Sistema inquisitivo ou inquisitorial

É o processo em que se confundem as figuras do acusador e do julgador. Em verdade, não há acusador nem acusado, mas somente o juiz (o inquisidor), que investiga e julga, e o objeto de sua atividade (o inquirido). É considerado primitivo, já que o acusado é privado do contraditório, prejudicando-lhe o exercício da defesa.

II – Sistema acusatório

Caracteriza-se principalmente pela separação entre as funções da acusação e do julgamento. O procedimento, assim, costuma ser realizado em contraditório, permitindo-se o exercício de uma defesa ampla, já que a figura do julgador é imparcial, igualmente distante, em tese, de ambas as partes. As partes, em pé de igualdade (par conditio) têm garantido o direito à prova, cooperando, de modo efetivo, na busca da verdade real. A ação penal é de regra pública, e indispensável para a realização do processo. Costuma vigorar o princípio oral, imediato, concentrado e público de seus atos.

III – Sistema misto

Inaugurado com o Code d’Instruction Criminelle (Código de Processo Penal) francês, em 1808, constitui-se pela junção dos dois modelos anteriores, tornando-se, assim, eminentemente bifásico. Compõe-se de uma primeira fase, inquisitiva, de instrução ou investigação preliminar, sigilosa, escrita e não contraditória, e uma segunda fase, acusatória, informada pelos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

A Classificação do sistema processual brasileiro

Ressalvada nossa opinião quanto à divisão tradicional em “sistemas processuais”, de ver que a doutrina brasileira não é unânime quanto ao enquadramento do nosso processo penal em um dos sistemas mencionados. Para alguns autores (Hélio Tornaghi, p. ex.), a persecução penal é mista, já que se compõe de dois momentos ou fases:

a) Uma primeira fase, do inquérito policial, apresentar-se-ia essencialmente inquisitiva, sigilosa e não contraditória, figurando a pessoa do suspeito ou indiciado como mero objeto da investigação.
b) Uma segunda fase, após o encerramento do inquérito, com o oferecimento da denúncia ou queixa e com a instauração da relação processual, quando passariam a vigorar as garantias constitucionais das partes e, em especial, do acusado.

Outros autores, contudo, classificam o sistema brasileiro de acusatório (Mirabette, Tourinho, Scarance, etc.), já que a fase investigatória, inquisitiva, não é propriamente processual, pois que tem caráter administrativo. O processo, em si, desenvolve-se inteiramente em respeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa, assegurando-se a paridade de armas entre as partes, separando-se o órgão responsável pela acusação daquele que julga, ao final, a lide penal.

Nossa posição: Em que pese à divergência, fato é que a persecução penal no sistema brasileiro cinde-se em duas partes, configurando-se em sistema misto. A fase investigatória tem, em regra, caráter inquisitivo, a ela não se aplicando todas as garantias inerentes ao processo, porque não é um processo. Entretanto, é certo que, no âmbito específico do processo penal (subseqüente à fase investigatória), a função acusatória é organicamente separada da função decisória, de modo que, se a persecução penal como um todo pode ser classificada sob o gênero dos sistemas mistos, o processo penal em si – subseqüente à investigação – indubitavelmente é acusatório. Isto é, configura-se em verdadeiro processo penal (acusatório). Claras, portanto, a noção da parte (sistema inquisitório, na primeira; acusatório, na segunda) e do todo (sistema misto, na análise da persecução penal, da fase extrajudicial à judicial). A manutenção, aliás, de nosso sistema, preservando a existência do inquérito policial como uma “instrução provisória”, atende por outro lado à própria garantia do acusado de se ver protegido contra juízos errôneos e precipitados que poderiam se constituir caso se adotasse uma ação penal sem a prévia investigação, ou seja, aquela em que houvesse uma “unidade de instrução” (inexistência de inquérito, vigendo o contraditório desde o início), a pretexto de celeridade ou respeito ao contraditório.

(5) BONFIM, Edilson Mougenot, ob. cit. p. 28/31

HISTÓRIA DO PROCESSO PENAL (4)

A primeira legislação processual criminal brasileira é de 1832. Até então, e mesmo após a Independência, vigoraram no Brasil as Ordenações Filipinas. Posteriormente, com a Constituição da República (1891) o Direito Processual Penal foi dividido pro regiões, surgindo os Códigos Processuais Estaduais, em vigência até 1934, quando a nova Constituição determinou que se retornasse à sua unidade em todo território nacional, o que ocorre até hoje.

Nosso Código de Processo Penal surgiu pelo Decreto-Lei n.º 3689, de 3.10.1941 e vigora totalmente retalhado por um excessivo número de leis especiais, que o mutilaram.

(4) DÓRO, Tereza Nascimento Rocha, ob. cit. p. 13.

OUTRO CONCEITO DE DIREITO PROCESSUAL PENAL (3)

Direito Processual Penal, na lição de Beling, é aquela parte do Direito que regula a atividade tutelar do Direito Penal.

O Direito Processual Penal abrange também a Organização Judiciária Penal, e, por isso, alguns autores, como Camara Leal, costumam apresentar a seguinte divisão do Direito Processual Penal:

a) Organização Judiciária Penal, que trata da criação, sistematização, localização, nomenclatura e atribuições de diversos órgãos diretos e auxiliares do aparelho judiciário destinado à administração da justiça penal; e

b) Processo Penal, que é o meio pelo qual se compõem as lides de natureza penal.

É de se observar que o Direito Processual Penal compreende também a persecução fora do juízo, e, por isso, preferimos conceituá-lo como Frederico Marques: conjunto de normas e princípios que regulam a aplicação jurisdicional do Direito Penal objetivo, a sistematização dos órgãos de jurisdição e respectivos auxiliares bem como da persecução penal.

(3) TOURINH FILHO, Fernando da Costa, Processo Penal, Volume 1, Saraiva, 16ª edição, 1994, p. 26 e 27

Fernando da Costa Tourinho Filho é promotor de justiça aposentado pelo Ministério Público de São Paulo, professor de Direito Processual Penal e advogado militante.
É autor de diversas obras sobre o Direito Processual Penal Brasileiro, sendo um dos principas autores desta matéria no Brasil.

Seus livros podem ser adquiridos na ISI LIVRARIA JURÍDICA, no SDS Ed. Venâncio VI, Loja 27, tel. 61 3225.8494, em Brasília - DF.

CONCEITO DE DIREITO PROCESSUAL PENAL (2)

Processo penal é o conjunto de atos sucessivos e previstos em lei, que têm como objetivo apurar um fato aparentemente delituoso, determinar sua autoria e compor a lide (aplicar a lei ao caso concreto).

A forma como devem se desenvolver e também a maneira como as partes podem e devem atuar, além de todas as regras referentes ao caminho a ser trilhado para se chegar a uma decisão, estão previstas no Código de Processo Penal e, hoje, em leis esparsas.


(2) DÓRO, Tereza Nascimento Rocha, Curso Básico de Processo Penal, Porto Alegre, Síntese, 1999, p. 13.

A autora é Advogada criminalista atuante. Professora de Direito Processual Penal e Prática Forense Penal da Faculdade de Direito da PUC Campinas. Mestre em Direito Processual pela mesma Universidade. Além de diversas participações em palestras, seminários e congressos, a Professora Tereza Dóro contribui com matérias para diversas revistas e jornais especializados, além de ter obras publicadas pela Copola Editora, Manual Prático de Processo Penal, Princípios no Processo Penal Brasileiro e pela Editora Síntese, Curso Básico de Processo Penal.

AS NORMAS JURÍDICAS (1)

A doutrina classifica as normas jurídicas em duas espécies: as normas de direito material e as normas de direito formal.

As primeiras são aquelas destinadas a disciplinar os atos diretamente relacionados à vida e às relações na sociedade. É norma de direito material a regra, insculpida no Código Civil, que determina que aquele que causar dano a alguém será obrigado a indenizá-lo na medida de sua culpabilidade, assim como a norma jurídica do Código Penal que estabelece uma sanção de reclusão para aquele que conscientemente matar alguém (art. 121 do CP). As normas de direito formal (ou adjetivo, na expressão de Jeremy Bentham), por seu turno, são aquelas que determinam o modo de aplicação da norma material (ou direito substantivo). Por isso parte da doutrina – processualistas civis, principalmente – refere-se a essas normas como normas de segundo grau: apenas mediatamente é que elas refletem na vida das pessoas.


(1) BONFIN, Edilson Mougenot, Curso de Processo Penal, São Paulo, Saraiva, 2006, p. 4

Edilson Mougenot Bonfim é Promotor de Justiça em São Paulo, Doutor em Processo Penal pela Universidade Complutense de Madri. Seus livros poderão ser adquiridos na ISI LIVRARIA JURÍDICA, em Brasília, no SDS Ed. Venâncio VI, Loja 27, Tel. 61 3225.8494, em Brasília, DF.